segunda-feira, 5 de novembro de 2012

Ti coisinha mais fofucha


Puxando um desses cães que cabem numa bolsa de madame, cheios de frufru, a mulher não percebeu que tinha mais gente na praça. Assim que minha cadela viu os dois, no entanto, deu um tranco na coleira e brotamos na frente da mulher e de seu animalzinho de meio quilo.

- Olha, Pierre, chegou a amiguinha. Que bonitinha, bem maior que você. Dá bom dia pa ela. – Disse a mulher, fazendo voz de criança.

Fiz um comentário qualquer sobre as orelhas peludas do tal Pierre e da alegria dele ao encontrar outro cão.

- Sabe o que é, moço?! É que eu goto de au-au gande.

Eu estava bem-humorado. Resolvi apostar num diálogo.

- E essa vira-lata aqui adora esses bichinhos pequenos - retruquei.

- Que bom, então, moço. A gente vai se dar bem. Cal o seu nome, miguinha?

Pensei em sair andando, mas os cachorros começaram a se cheirar; ignorei a pergunta, mas ela insistiu:

- Cal o seu nome, minina?

Aquilo começou a me irritar. Não era ela quem falava comigo. Era o Pierre. E, pior, com esse tatibitati terrível.

Já tinha visto essa mulher na rua, sem o cachorro. Loira, cabelo curto, jeitão de executiva. Falava sobre o preço do combustível, sobre as chances de ganhar na Mega Sena, sobre o preço do dólar... Enfim, uma pessoa normal.

Tentei mudar de assunto rápido.

Apelar para o tempo é sempre uma boa saída.

- Será que chove hoje?

- Ai, nem binca, moço. Cando chove, eu num passeio na lua. Adolo passiá na lua, vê outos au-au.

Antes do final da frase, os cães começaram a andar em círculo, se cheirando. Fomos girando junto. Uma cena um tanto ridícula, vista de longe.

De perto, também.

Coleiras enroscadas, confusão armada, nem assim o Pierre deu espaço para sua dona abrir a boca. Puta bicho mal educado.

- Ai, mamãe, me aduda aqui, tá enloscando tudo. Ai, ai, ai...

Mal se viu livre daquela situação constrangedora, o cãozinho foi até um poste, levantou a pata traseira o mais alto que pôde e deixou um recado para os outros cães.

Talvez, pedisse socorro. Algo como “me livrem dessa louca”. Mas, nem pôde se concentrar muito tempo nessa tarefa. Logo nos primeiros jatos, a mulher gritou:

- Ai, que xixizão, Pierre. Que xixizão fóte pá se mostrá pros au-au.

Senti vergonha por ela. É a tal da vergonha alheia, que qualquer adolescente sente 100 vezes por minuto.

Numa última tentativa de humanizar o diálogo, olhei para a mulher, fazendo de conta que o cachorro frufru dela não existia, e perguntei:

- Qual o seu nome?

Para minha surpresa, pela primeira vez, ela me olhou.

Deu uma risadinha misteriosa. Fiquei aliviado.

Teria saído do transe? Caído em si?

Preciso alertá-la que é muito estranho falar o tempo todo como se fosse um cachorro.

Antes que eu começasse o meu sermão, ela escancarou a risada:

- Como assim, moço?! Meu nome é Pierre. Não aquedito que não tinha escutado ainda. O senhor é muito desatento. Palece que nem tá aqui.

Pensei em latir para espantar os dois, mas desisti. Talvez, eu tenha rosnado sem perceber.

Imediatamente, vi o Pierre puxar a coleira e levar sua dona para conhecer outros postes.

E lá se foram os dois, abanando o rabo. O Pierre e aquele outro bichinho loiro, cabelo curto, com jeitão de executiva e que, até hoje, não sei o nome.