Achei minha ideia brilhante e quis contar pra ela na mesma hora.
Seria o fim de boa parte de nossos problemas conjugais.
- Amor, tive uma ideia.
- Hã?!
- Tive uma ideia.
- Desculpa, não entendi.
Esse era o problema: não compreendíamos muito bem o que o outro dizia. Qualquer frase dita depois de alguns segundos de silêncio e que nos pegasse meio de susto resultava em terríveis “Hã?!” “O quê?!” “Que foi?”
Mas, minha ideia era muito boa. Muito mesmo. Resolvi continuar. Dessa vez, separando as sílabas.
- Ti-ve uma ide-ia pra vo-cê en-ten-der o que eu di-go.
- Mas, eu entendo. Quem não entende é você.
Imediatamente, mandei um:
- Oi?
Hummm... fechou o tempo. Ela achou que foi de propósito. Pra provocar.
Fez um silêncio profundo. Olhou pra cima, bufou, contou até dez, pensou em falar novamente, tomou o ar e... desistiu.
Por incrível que pareça, depois de toda essa sequência compreendi o que ela disse.
Às vezes, acontece. A ficha cai como que por encanto, diante de tanta ameaça.
- Se eu não entendo é porque você fala baixo – tentei me defender.
Ela concluiu, triunfante:
- Ahhh, então você tinha entendido o que eu falei? Tá vendo como é? Você só ouve o que quer!
Confesso: o “Hã?!” e o “Oi?” são automáticos, quase uma muleta.
Depois de ouvir qualquer coisa, deixo escapar um “que foi?”, “oi?”. Mas, não é por mal. Cheguei, inclusive, a desenvolver algumas técnicas pra corrigir isso.
A mais importante delas: não devolver a pergunta, em hipótese alguma. Se, realmente, não compreendesse, ficava repetindo o som mentalmente.
Se ainda assim não desse certo, tentava aliar o som ao tema da conversa.
Por exemplo, se a frase terminasse em “ela” e estivéssemos na cozinha, eram grandes as chances de a minha missão ser “pegar uma panela”.
Essas tentativas de adivinhar foram engraçadas.
Ela:
- Mudou de canal?
- Que f... – parei a frase pela metade.
Consegui!
É difícil, exige um autocontrole absurdo. Foi o primeiro passo. Um passo de cada vez.
Mas, a pergunta? Qual era? Passei a repetir mentalmente o som que tinha escutado. Terminava em “al”. Al, AL, AL...
Arrisquei:
- Se estou me sentindo mal?
Ela riu. Comecei a dizer em voz alta “AL, AL, AL...”
- Se eu vi o jornal?
Em silêncio, ela fez sinal pra eu continuar tentando. “AL, AL, AL...”
- Cheiro de animal?
Ela olhou o controle remoto de relance. Era a dica. Gritei:
- Canal, canal. Se eu mudei de canal!!! Eu mudei de canal! Mudei, sim!!!
Ela, séria:
- Pois é... e eu tava vendo a novela.
Eu, sem pensar:
- Oi?
E fechava o tempo novamente...
Mas, com a minha ideia tudo mudaria.
Era simples: consistia em esperar uns cinco segundos antes de tentar adivinhar ou perguntar “que foi?”.
Se nesse meio tempo as coisas não ficassem claras, a pessoa que começou o assunto repetiria o que disse, sem a necessidade de alguém parecer um tonto fazendo “Hã?!”
Propus, ela achou interessante e resolvemos tentar.
Uma semana depois, vimos que não tinha como dar certo. Ficávamos cinco, dez, vinte segundos e esquecíamos da pergunta, da ideia e até de quem tinha começado o assunto.
Ainda tentamos exercitar alguns dias, até que pedi para abaixar o volume da TV.
Ela não compreendeu e, conforme tínhamos combinado, ficou em silêncio. Só que esperamos quase um minuto e esqueci de começar o assunto novamente. Em vez disso, soltei um “Que foi?”
Ao que ela respondeu:
“Hã?!”
E a ideia naufragava. Respiramos fundo e deixamos assim, o dito pelo não dito. Ou melhor, o dito pelo não entendido.