segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

Acerto de contas

“Espírito de natal é o cacete. Quero meu dinheiro de volta!”

E a confusão estava armada. O sujeito era muito gordo e muito branco. Estava vestido todo de preto. Parecia um urso panda.

Tinha retornado ao shopping com o único objetivo de fazer justiça. Ficou revoltado ao perceber que comprou gato por lebre numa grande magazine, na noite anterior.

E só sossegou quando chegou ao shopping, escalou a escada rolante, tão impaciente que estava, e irrompeu na loja, aos gritos.

Ao ouvir o primeiro: “desculpe senhor, mas acho que não podemos fazer nada”, urrou e ficou ainda mais parecido com um urso. “Como, nããããããããããão??!?!!?!?!”

O shopping todo decorado para as festas de fim de ano. Guirlandas, bolinhas de natal, um enorme pinheiro e todos os seus penduricalhos e... ele mesmo: o Papai Noel! Movendo-se ao ritmo de uma insistente musiquinha natalina, o bom velhinho ficou espantado com a gritaria.

Ao contrário desses papais noéis que se encontram por aí - alguns com menos de 30 anos e sem um só pêlo no rosto - esse era bem parecido com a imagem que guardamos do velhinho: gordinho e de barba branca. Só a turma dos duendes que não era muito fiel ao imaginário popular, já que, pela falta de anões a um salário acessível, o grupo era composto metade por anões e metade por crianças.

Antes que o grandão emitisse outro grito, veio o bom velhinho separar. Foi aí que se deu a cena que escandalizou os nobres freqüentadores no lugar. O primeiro argumento do Papai Noel foi “cadê o espírito de natal, meu filho?” e a resposta foi um sonoro “Espírito de Natal é o cacete!”. Como se não bastasse responder assim a um ícone da cultura natalina, o grandão seguiu com seus gritos:

“Espírito de natal é o meu dinheiro de volta. Ou eles devolvem ou acabo com toda essa palhaçada de natal”, disse, destruindo uma guirlanda que estava perto de sua cabeça.

Diante da ameaça, as crianças passaram a olhar a cena como se o gordo fosse realmente um urso panda do mal disposto a acabar com o Papai Noel e com todo o espírito natalino.

Quando o bom velhinho tentou aproximar-se, numa última tentativa de acalmar o rapaz antes da chegada dos seguranças engravatados que salvariam o natal, o grandão reagiu:

“Nem vem me encher o saco, seu velho”

E depois de um tempo:

“INCLUSIVE” – disse esse “inclusive” mudando de tom e virando a cabeça lentamente para olhar o Papai Noel, como se estivesse lançando mão de um argumento infalível, perfeito dramalhão de novela mexicana. Encarou o velhinho e abriu seu coração, quase gritando:

“CA-DÊ MEU AU-TO-RA-MA?????”

Disse separando as sílabas, dando ênfase a cada uma delas, como se estivesse jogando na cara do Papai Noel cada brinquedo esquecido ou até mesmo os minutos de atraso na entrega.

Papai Noel e os duendes recuaram. Não fossem as renas feitas de papelão e pudessem voar, certamente eles entrariam no velho trenó e viajariam rumo ao Pólo Norte.

E o grandão voltou a ser criança. “Meu autorama?” Foi se aproximando do Papai Noel, como num combate final.

Os duendes ficaram em volta das pernas do bom velhinho, que suava e se precipitava em passos incertos para trás.

“Meu autorama, cadê???”

As crianças gritavam, o gordão ia puxando todas as guirlandas que surgiam no seu caminho até o Papai Noel, que num desses passos incertos, tropeçou numa das renas de papelão e despencou no chão do shopping.

Era a derrota do espírito de natal. Quando os seguranças chegaram, nem se preocuparam em saber o que acontecia, preferiram ajudar o velhinho.

Debaixo de vaias, mas se sentindo vingado, o grandão deixou o shopping num cenário desolador: com guirlandas espalhadas pelo chão, cerca de trinta crianças chorando e uma insistente musiquinha natalina a inundar o ambiente.